terça-feira, 30 de junho de 2015

Aldous Huxley, a música e Brasília IV (segundo Elizabeth Bishop e Antonio Callado)

Antes, um aviso: o jornalista autor deste blog pede perdão aos fotógrafos que registraram as imagens aqui mostradas e que estão sem créditos. Elas foram coletadas na internet e a maioria não revela a autoria das fotos. Da mesma forma, pede perdão pelo uso de informações coletadas na web. Recomenda-se que os leitores procurem os originais. No caso de livros, que adquiram as publicações.
No princípio era o ermo
Antes da inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960, várias personalidades da época visitaram as obras da nova capital do Brasil. Uns vieram logo no início, em 1956 (era o ermo, como disse Vinicius de Moraes, na Sinfonia da Alvorada), mas em 57, 58, ainda com a terra revirada e vermelha mostrando as veias abertas do Cerrado, e uns poucos prédios em pé, viram com os próprios olhos brotar a cidade, entre outros:

  • Elizabeth Bishop (poetisa e escritora norte-americana);
  • John dos Passos (escritor norte-americano);
  • André Maulraux (escritor e então ministro da Cultura da França);
  • Frank “It’s a Wonderful Life” Capra (cineasta norte-americano, que teria filmado um momento da construção, e cujas imagens permanecem inéditas);
  • John Foster Dulles (secretário de Estado norte-americano);
  • Fidel Castro (só teria parado de tagarelar quando fez um sobrevoo ao lado do presidente Juscelino Kubitschek);
  • Golda Meir (então ministra do Exterior, de Israel);
  • David Niven (ator britânico, que também deu um rolê de helicóptero sobre a cidade, ao lado de JK);
  • William Burden (presidente do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque);
  • Nobosuke Kishi (Primeiro ministro do Japão);
  • Harold Champion (jornalista inglês, do Daily Telegraph);
  • Giovani Gronchi (presidente da Itália);
  • o príncipe Bernhard (Holanda);
  • o príncipe Mikasa (Japão);
  • Robert Wagner (prefeito de Nova Iorque);
  • Dwight Eisenhower (presidente dos Estados Unidos).
Beauvoir, Niemeyer, Sartre e Jorge Amado, em Brasília, 1961
Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir vieram logo depois da inauguração. Che Guevara, em 1961, quando foi condecorado por Jânio Quadros.

Che Guevara, em frente ao Palácio do Planalto, 1961
Tirando André Maulraux, que disse a JK: “Esta é a capital da esperança”; e Dwight Eisenhower, que por motivos óbvios (estava selando o compromisso de JK de que o Brasil não viraria e nem daria apoio à Cuba de Fidel e em troca facilitou as coisas do FMI com o país) sentenciou: “Por várias razões, Brasília exerce um fascínio sobre os cidadãos dos Estados Unidos. Brasília é uma epopeia digna das vastas possibilidades e aspirações desta nação"; de resto, pouco se sabe das impressões dos visitantes que chegaram antes da festa (de inauguração).
Einsenhower e JK desfilam em carro aberto, no Rio de Janeiro, 1960

O cosmonauta soviético Yuri Gagarin (o primeiro homem a orbitar a Terra, no espaço sideral), em 1961, mandou essa: “Tenho a impressão de que estou desembarcando em um planeta diferente, não na Terra”.

No caso de Aldous Huxley (1894-1963), objeto desta investigação, em 1958, ficou aquela interrogação sobre o que teria pensado o grande escritor britânico sobre o Brasil e Brasília, enfim, cidade em obras que ele viu, acompanhado da mulher, a violinista e cineasta italiana Laura Archera Huxley.
Aldous e Laura Huxley
Aldous e Laura Huxley passaram três semanas no Brasil, em agosto de 1958, depois de ter visitado Caracas (Venezuela). Sua passagem pelo Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte foi bem documentada pelos jornais que circulavam à época. No Rio de Janeiro, coube ao Correio da Manhã os maiores espaços.

Com um profissional do porte de Antonio Callado (1917-1997) respondendo como editor-chefe, o matutino carioca colocou Huxley em primeira página, pelo menos duas vezes: quando proferiu palestra no auditório do Itamarati (estamos em 1958, o Ministério das Relações Exteriores funciona no centro do Rio de Janeiro) e quando visitou os índios iaualapitis (yawalapitis), à beira do rio Tuatuari (Mato Grosso), onde funcionava o então Posto Capitão Vasconcelos, do Serviço de Proteção aos Índios (a antiga Funai).

Eis o que teria dito Aldous Huxley sobre Brasília: "Vim diretamente de Ouro Preto a Brasília. Que jornada dramática através do tempo e da história! Uma jornada do ontem para o amanhã, do acabado ao que está para começar, de conquistas antigas às novas promessas!".
Elizabeth Bishop
Essas palavras foram amplamente repercutidas na imprensa brasileira, em 1958. Segundo conta Elizabeth Bishop, no artigo “Uma nova capital, Aldous Huxley e alguns índios” (em “Prosa” [Companhia das Letras, 2014], tradução de Paulo Henriques Brito), a declaração teria sido escrita “manu própria” por Huxley a bordo do DC-3 da Força Aérea Brasileira, quando o escritor, a esposa e comitiva (incluindo Bishop) voaram de Brasília até o Posto Capitão Vasconcelos, no Xingu.

Bishop conta que dentro do avião, num momento em que os passageiros interagiam, um homem, “velho e magro, com grandes orelhas e olhos tristes” (depois sabemos que vinha a ser o mesmo que deveria ter encontrado a poetisa norte-americana quando esta chegou sozinha a Brasília, precedendo a chegada do casal Huxley) foi até o assento de Aldous e o entregou uma prancheta com papéis.
Aldous Huxley
Queria o homem que o autor de “Admirável Mundo Novo” escrevesse suas impressões sobre Brasília, sob o argumento de que coletava esse tipo de coisa, para futuramente coloca-las num museu da cidade: “Huxley pegou sua caneta, lançou-se ao trabalho e, depois de rasgar duas ou três folhas de papel, produziu algumas frases sobre a interessante experiência de voar do passado (as vilas coloniais de Minas Gerais) para o futuro, a nova cidade de Brasília. Dois dias depois isso apareceu nos jornais do Rio como se fosse um telegrama enviado por Huxley ao presidente Kubitschek, dando uma estranha impressão do que seria o estilo telegráfico de Huxley”.

Antônio Callado
Ainda dentro do avião, de acordo com Bishop, Antonio Callado teria distribuído aos visitantes pílulas anti-malária e lançou um alerta de que os silvícolas que o grupo iria encontrar não eram exatamente os índios que viviam entocados na mata, mas sim aqueles que já haviam feito contatos com o “branco” e até usavam roupas e calças compridas.

Uma vez em solo, os índios cercaram o grupo, mostrando aquele tipo de interesse fácil de imaginar. Huxley, segundo Bishop, foi apresentado como “um grande capitão e consentiu em ser apalpado com admiração”. Na sequência, Elizabeth Bishop conta o surpreendente e emocionado encontro do sertanista Claudio Villas-Boas com o escritor britânico. Uma vez apresentado a Laura e Aldous, Claudio com os olhos cheios de lágrimas teria dito: “O Huxley, do ‘Contraponto’”? Sim, o livro “Counterpoint”, de 1928, que os brasileiros conheceram na tradução de Érico Veríssimo.

Alto, magro e pálido, de terno e gravata, Aldous Huxley deitou numa rede e foi examinado com interesse. Laura Huxley fez sucesso com uma sensacional câmera Polaroid (aquela que produz a foto em papel, logo depois de tirada). E para completar, o cacique caiapó Raoni Metuktire (aquele do botoque, ornamento de madeira enfiado no lábio inferior, descrito como “Ronny” por Elizabeth Bishop) apareceu, “falador e agradável”, segundo a escritora, “encantador e louco”, segundo Antonio Callado.

Huxley teria ficado encantado com um panapaná (bando de borboletas) à beira do rio. No mais, encantamento total de todo o grupo com os índios, seus hábitos e sua cultura (houve banho de rio e até luta huka-huka, com os índios pintados, em honra dos visitantes). Mais uma vez, os Huxley, Bishop e comitiva voaram para Brasília, para mais um pernoite no Brasília Palace Hotel. No dia seguinte, cada um tomou seu rumo.
Foto que saiu na capa do Correio da Manhã, mostrando Laura Huxley e sua Polaroid com os índios do Xingu
Sob o título “Um Sábio Entre Bugres – Huxley visita os índios do Xingu”, o jornal Correio da Manhã, em sua edição 20.062, de 21 de agosto de 1958, estampou em primeira página a reportagem escrita por Antonio Callado. No texto, uma declarada desconfiança sobre a aventura brasileira de erguer uma capital nos cafundós do Planalto Central (em parte porque sabiam que a gastança um dia viria a cobrar sua dívida).

Eis o lead (primeiro parágrafo):

“Mais do que em nenhum outro país do mundo, no Brasil de hoje um avião pode assumir ares de verdadeira Máquina do Tempo, de H.G. Wells. Pode-se ir, num salto, das duvidosas doçuras de um passado ouro-pretano de gelosias de urupema, Marílias e mantilhas, às duvidosas bênçãos de uma civilização brasílica, que poderá tomar tons do Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley”.

À grande pergunta no ar (Huxley gostou ou não gostou de Brasília?), Antonio Callado escreveu:

“Não me perguntem o que achou Huxley de Brasília pois ele é homem de palavras poucas e medidas e deve ter prontamente sentido a atmosfera emocional que envolve a Capital do presidente Kubitschek. Que ele gostou do Palácio da Alvorada gostou. Quando encontrou brevemente Oscar Niemeyer na véspera da partida, cumprimentou-o dizendo: ‘Vous avez fait là quelque chose d’extraordinaire, mon vieux’”.

O repórter, que mais tarde viria a escrever o romance “Quarup” (1967), abre um parêntese e enfia a seguinte opinião: “A mim – entre parênteses – me pareceu que, em relação a Brasília, este jornal, afora uma certa má vontade congênita com a cidade, tem em relação a ela a atitude correta: Brasília merece todos os elogios na seção de artes plásticas, mas muita severidade na última e na sexta páginas. É uma Cidade de Consumidores, plantada num deserto onde não se vê um pé de couve. Durante muito tempo vai sugar, com o mata-borrão daquele seu pó vermelho, as energias do país.... Mas uma cidade não começa pelas ferrovias e pelas hortas? Brasília vive em grande parte de uma ponte aérea, como Berlim ao tempo do assédio russo...”.

Considerando que o texto de Callado foi publicado antes do de Bishop, fica a impressão de que a poetisa norte-americana o teve como norte para lançar suas impressões. Callado aproveitou ainda para cutucar os paulistas: “Na volta, conversando com Huxley no avião, veio-me à lembrança um azedo artigo que ‘O Estado de São Paulo’ escreveu com o título acima (‘Huxley e a macumba’). Era um protesto ao fato de, no Rio, haverem levado Huxley a uma macumba. A mim pessoalmente me parece que cada um chega a Deus como pode, e que um terreiro de candomblé, com seu peji enfeitado e seu S. Jorge, vale tanto como uma igreja católica ou uma sinagoga. Quanto a Huxley, quando lhe falei na macumba, e no artigo que causara, ele declarou: ‘- Pois olhe, o rito dos pretos no Rio me fez compreender muito melhor os gregos primitivos’. Grego primitivo! Não é coisa de quatrocentos anos atrás, mas sim de quatro mil”.

Callado conta o episódio do corrimão, no Brasília Palace Hotel, e ainda lembra uma frase marcante da visita de Aldous Huxley à “capital da esperança”: “... cumprimentado por uma jovem e por um engenheiro entusiastas de Brasília, disse Huxley com a maior naturalidade: ‘Quero voltar dentro de dez anos para ver Brasília como uma cidade’.

Huxley queria voltar a Brasília 10 anos depois de ter visto a cidade barro vermelho
Em 22 de novembro de 1963, o assassinato de John F. Kennedy, em Dallas, fez com que qualquer outro obituário ficasse menor. Nesse dia, partiram Aldous Huxley e o irlandês C.S. Lewis, autor de “As Crônicas de Nárnia”.

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