segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Dire Straits (ou quase) em Brasília


Resumindo: de certa forma decepcionante a apresentação da banda Dire Straits Legacy, em Brasília. O som do ginásio Nilson Nelson comprometeu a qualidade do show, em que pese a presença de grandes músicos do rock britânico, nesse tributo à banda criada pelo guitarrista escocês Mark Knopfler. Não apenas. O público inconveniente também marcou presença.

No estudo básico da Física consagrado às ondas, o som tem destaque, com suas características dissecadas, que permitem certo entendimento desse fenômeno, um tanto parecido com a luz. Basta folhear qualquer livro de princípios da Física: está lá que as ondas sonoras estão sujeitas a fenômenos como a reflexão, refração, difração e interferência.



Por ora, fiquemos com esse último. A interferência, é fácil perceber, ocorre quando ondas sonoras emitidas por mais de uma fonte se encontram, sendo comum que uma destrua a outra, gerando com resultado o barulho indesejado e perturbador.

DSL em Brasília (21/janeiro/2018)
Do ponto de vista físico, foi o que ocorreu na noite de domingo (21/01), no Ginásio Nilson Nelson, em Brasília, quando da apresentação da banda Dire Straits Legacy, excelente tributo ao extinto grupo liderado pelo guitarrista escocês Mark Knopfler. O DSL é formado por ex-membros dos Dire Straits, e músicos afins, que se juntaram para tocar em frente o legado da banda de Mark Knopfler.


Não é preciso ir até o fim desse texto, para saber o que ocorreu em Brasília. O som do ginásio Nilson Nelson foi pessimamente preparado para dar conta do recado. E de certa maneira frustrou a expectativa. Cerca de 10 mil pessoas (!) – excelente público – encheram a casa, querendo um pedaço daquilo que nunca tiveram: curtir Dire Straits (que nunca tocou no Brasil) ao vivo, mesmo com a ausência imperdoável da guitarra de Mark Knopfler.

Mark Knopfler, grande ausente
Aquele ginásio, no centro de Brasília, não é exatamente uma casa de shows, mas sim uma arena esportiva, na qual os espectadores costumam depender mais da visão do que da audição. Quem vai a evento esportivo, quer ver o que está acontecendo. Ouvir é detalhe, que complementa a experiência.


No caso do DSL, ficou claro que a sonorização adotada pela produção do evento só podia dar no que deu, em interferência e barulho que impediram a audição clara e, por conseguinte, a curtição das músicas dos Dire Straits que, em disco, são apresentadas como um primor de gravação. Que o diga o álbum best-seller Brothers In Arms (1985), um marco na indústria fonográfica mundial quando da transição do LP para o CD, etc.


No Nilson Nelson, os alto-falantes posicionados apenas à frente do palco tiveram alcance limitado como fonte sonora. A qualidade do áudio diminuiu em relação à distância da fonte e o barulho acabou com a festa. Quem estava nas cadeiras ou nas mesas posicionadas ao fundo da parte inferior do ginásio recebeu o som embolado e sem definição; quem estava nas arquibancadas, sofreu mais. Como o conjunto de caixas de som era limitado, de fraca potência, nas arquibancadas a música se perdeu. A interferência causada pelo barulho das conversas da plateia acabou por soterrar o som do Dire Straits Legacy.

Profusão de celulares: melhor filmar que curtir o show
Aliás, uma observação. Muita gente reunida, é multidão. Multidão dificilmente fica quieta. Em show de rock, ficar quieto não combina muito com a situação. Mas o comportamento de turba, esse é imperdoável. Bastava a banda baixar o tom, ir para as partes mais lentas da música, e a turba não se aguentava, desatando um falatório que subia ao teto do ginásio. Um decibelímetro atestaria que os níveis de pressão sonora do ambiente estavam bem acima do suportável, não pelo rock que saía dos alto-falantes, mas pelas conversas ensurdecedoras que atrapalhavam a audição.


Ademais, outro fator, o comportamental, diz muito sobre a situação. Por que diabos as pessoas passam o show inteiro gravando a apresentação no celular? Isso não é novidade. No show do DSL, poucas vezes a turma do gargarejo pulou e vibrou. O que mais se via eram pessoas estáticas, smartphones em punho.

Quanto ao falatório, a atitude não foi apenas desrespeitosa para com os músicos e com aqueles que gostariam de realmente ter apreciado o show. Parece ter a ver com aspectos culturais típicos do comportamento dos brasileiros privilegiados, aqueles capazes de pagar ingresso, e que não exatamente por isso estão se lixando para códigos de conduta, etiquetas do comportamento em público.

Brothers In Arms
Nesse aspecto, a reflexão vai mais longe. Nos faz lembrar que a música de Mark Knopfler com suas referências fincadas nas antigas baladas das Ilhas Britânicas tem algo de nostálgico e melancólico. Algo que não combina com o clima festeiro do brasileiro que vive abrasador clima de verão, pré-Carnaval. O povo queria rock, não coisas sobre montanhas enevoadas e frias. Portanto, nas passagens mais lentas, que tal botar o papo em dia? 

Evento x música. Como dito, é show de rock, não missa católica ou culto protestante. Mas ainda assim, resta a música, que é o que justifica o evento. O raciocínio de consumidor é simples. Você pagou pelo ingresso, merece o que foi prometido. E o que foi prometido era a música dos Dire Straits, canções que marcaram muitas vidas, uma era inteira, se pensarmos no contexto que se encaixa a música de Mark Knopfler e associados.


Quem veio tocar a música dos Dire Straits? Ex-membros da banda estavam lá: Alan Clark (teclados), Danny Cummings (percussão), Mel Collins (sopros) e Phil Palmer (guitarra) estiveram, nos momentos de ouro, em gravação e ao vivo com Knopfler e os componentes originais. Além de Steve Ferrone (bateria de Tom Petty & The Heartbreakers), os italianos Marco Caviglia (voz principal e guitarra) e Primiano Di Biase (teclados), e o lendário Trevor Horn (Buggles, Yes, Art of Noise), no baixo.

Lendas: no sax, Mel Collins; no baixo, Trevor Horn
Em síntese, um time de primeira. Para este autor, uma sensação indescritível ver os lendários Mel Collins e Trevor Horn em ação no mesmo palco. O primeiro pôs o saxofone em discos lendários do King Crimson, Camel, Rick Wright, Alan Parsons Project e Tears For Fears. Quanto a Trevor Horn, o disco Drama (1980), do Yes, responde a várias perguntas. E se não bastasse, é um dos criadores do Art Of Noise e do selo Zang Tuumb Tumb (ZTT), marco na moderna música eletrônica.

Derretendo corações: Sade em Brasília, outubro de 2011 
Todos, incluindo o público, mereciam espaço com acústica decente. Só para lembrar, a cantora Sade fez show memorável, no mesmo lugar, em 2011. Nessa ocasião, o som parecia o de um CD. Crystal clear.

Tributo impagável: Tim Nice But Dim (Harry Enfield), 1997: